No dia 06 de maio de 2015 o decreto n° 8447 criou o Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba, que abrangerá territórios dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Ao todo são 337 municípios e uma área total de 73.173.485 hectares, que, segundo o governo, serão usados para “promover e coordenar políticas públicas voltadas ao desenvolvimento econômico sustentável fundado nas atividades agrícolas e pecuárias que resultem na melhoria da qualidade de vida da população”.
Os movimentos da região, no entanto, criticam a falta de participação social nesse processo e denunciam expulsões de populações e povos tradicionais de suas terras. Segundo Paulo Rogério Gonçalves, da Alternativas para Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO), com esse projeto o cerrado será ainda mais devastado e o agronegócio fortalecido. Em defesa do eucalipto, da soja e da pecuária, dentre outros setores, o governo prejudicará ainda mais a luta centenária de quilombolas, indígenas, quebradeiras de coco e outros segmentos tradicionais da região, complementou.
ANA: Quais os impactos nestes territórios afetados e o que os movimentos pensam a respeito desse projeto do governo?
O projeto afirma uma ação de avanço do agronegócio nessa região, que vem se dando há algumas décadas. Pega 73 milhões de hectares nos estados do Tocantins, Maranhão, Piauí e Bahia. É um processo violento de grilagem, porque temos nessa região muitas comunidades quilombolas, povos indígenas, populações tradicionais, as quebradeiras de coco e um conjunto de comunidades camponesas que vêm sofrendo há décadas uma violenta expulsão através do processo de grilagem para expansão das monoculturas. No fundo o MATOPIBA fortalece o processo de violência agrária, querem aportar mais capital para que isso continue. Por outro lado, essa grande região é a mais preservada de áreas remanescentes de Cerrado que temos no Brasil. Será a destruição do Cerrado para a expansão das monoculturas, afirma um processo de desmatamento na região. O terceiro impacto é que esses quatro Estados são os que têm um índice altíssimo de trabalho escravo. Todo esse processo de violência agrária e ambiental vem junto com um processo de escravização dos trabalhadores para o preparo de solo, limpeza de terreno e plantação do agronegócio.
ANA: Em contrapartida, como são as políticas públicas para atender esses setores afetados? Falta políticas necessárias para os povos dessa região?
Nessa região tem um número muito grande de comunidades quilombolas, só no Tocantins são mais de 50 identificadas e o número é muito maior. Nenhuma delas tem seu território titulado, e isso acaba se repetindo na Bahia e no Maranhão. Um monte de comunidades quilombolas que teriam de ter seus territórios regularizados para conseguir acessar um conjunto de outras políticas produtivas e de desenvolvimento. Acaba não tendo a primeira etapa, que é a regularização fundiária. Isso é estratégico, porque mantém uma área livre à expansão do mercado de terras. Os governos não regularizam as terras das populações tradicionais mantendo elas como um potencial de expansão do mercado de terras no Brasil. E as políticas ficam nessa situação.
Observamos também que no Brasil não tem até hoje políticas estratégicas para garantir o desenvolvimento do extrativismo, numa região de cerrado que tem uma diversidade enorme de produtos: pequi, gabiroba, buriti, etc. Então tem até hoje extrativistas sendo expulsos, as espécies sendo derrubadas e não tem política de regularização das terras nem de apoio às unidades produtivas que essas comunidades desenvolvem.
ANA: Pergunto porque estamos numa conjuntura de cortes e ajustes fiscais, como se encaixa isso no contexto atual?
Essa lógica desenvolvimentista, que vem se dando na região dos cerrados, vem da década de 1970. Há muito tempo que tem uma destruição e expansão no cerrado, é uma região de nova fronteira ainda dentro do cerrado que tem muita preservação mas já sofreu diversos processos. Tivemos nesses territórios, por exemplo, o Prodecer (Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento dos Cerrados), com interesse em reduzir o valor da oferta da soja. Então, a cooperação japonesa financia o governo brasileiro para que ele aumente sua exportação de soja e a coloque no cerrado. Essa lógica do MATOPIBA é muito antiga, é uma afirmação de uma lógica de desenvolvimento econômico altamente destrutiva e que acarreta uma violência descomunal.
ANA: E em que estágio está a execução desse projeto?
O decreto foi lançado em maio de 2015 e, por mais que ainda não tenha definido as ações específicas, politicamente já está fortalecendo o latifúndio, as empresas agrícolas, fábricas de insumos, etc. Fala sobre o apoio do governo à luta do grileiro contra a comunidade tradicional, porque quem financia a partir da grilagem das terras no fundo são os créditos direcionados ao agronegócio. Quando o governo se encontra numa crise econômica, enxergamos como sua aposta a expansão do agronegócio para exportação de commodities. Fica muito claro isso, que precisamos agora pensar estratégias para melhorar o capital no Brasil. Então pegam as áreas preservadas, que estão com as comunidades, para transformá-las em áreas produtoras de commodities.
ANA: Como se dá o arranjo político para se viabilizar esse tipo de projeto? Quem sai ganhando com isso?
Uma coisa interessante é que há algumas décadas o Ministério do Meio Ambiente vem discutindo o desmatamento do cerrado, então ele tem programas e um conjunto de ações que tenta minimizar e discutir a destruição dessa região. Com o MATOPIBA é criado um comitê gestor, mas não colocaram o Ministério do Meio Ambiente que discute os impactos ambientais no cerrado. Significa que teremos um projeto de desenvolvimento que vai detonar o que estiver pela frente, então retiram o pentelho para que não atrapalhe nem traga o debate do impacto ambiental. Nesse comitê praticamente só tem os representantes dos fazendeiros, é um comitê gestor sem representação da sociedade de forma ampliada. Tem apenas a representação do setor empresarial do agronegócio e o governo. Entregaram o comitê gestor aos interessados na expansão do agronegócio no Brasil.
*Fonte: ANA – Articulação Nacional de Agroecologia