A Ilha São Vicente, que fica na cidade de Araguatins, bem ao norte do estado do Tocantins, é um pedaço de terra cercado pelas águas do Rio Araguaia por todos os lados. Nesta Ilha, vive uma comunidade quilombola que, desde o início de sua história, é sinal de muita luta e resistência. No ano de 1869, o fundador da cidade de Araguatins, Vicente Bernardino Gomes, recebeu oito escravos – dois casais e quatro crianças – como pagamento de uma dívida e resolveu mantê-los isolados na Ilha de São Vicente.
Depois de 1888, com a Lei Áurea, a terra acabou ficando com os descendentes de Henrique Julião Barros, um dos escravos trazidos naquela época, e foi passando de geração a geração até chegar às mãos das famílias que ocupam a área nos dias atuais. Porém, achar que a liberdade chegou com a abolição é um grande engano. Ainda hoje, a comunidade quilombola da Ilha São Vicente enfrenta uma série de desafios, dificuldades e descaso do poder público. Mesmo já tendo sido reconhecida como território quilombola, a área ocupada ainda está em processo de demarcação.
Um outro acontecimento que reforça o desrespeito com a vida e a história desse povo foi o despejo violento que a comunidade sofreu em 2010, onde várias casas foram incendiadas. Porém, as chamas acenderam ainda mais o fogo de resistência que arde no peito dos quilombolas, que começaram a se organizar através de uma associação que fortaleceu ainda mais a luta de permanecer no território, dando total sentido à famosa frase “a união faz a força”.
Por estarem perto de um rio, uma das atividades que mais garantiu a sobrevivência das famílias que vivem na Ilha São Vicente durante muitos anos foi a pesca. Porém, desde 1984, quando a barragem de Tucuruí chegou no estado do Pará, que faz divisa com Araguatins, se percebe como a quantidade de peixes diminuiu. Como comenta o senhor Virgílio Barros Rocha, que mora na comunidade quilombola há praticamente 70 anos, os peixes do lado de cima da barragem foram praticamente quase todos pegos, e os que estão do lado de baixo não conseguem mais subir o rio. Assim, o dourado, o filhote, o surubim, a caranha, o jaraqui e o curimatã, que antes eram comuns nos pratos das famílias, já não enchem mais as redes dos pescadores quilombolas.
Mas na tradição desse povo de luta, desistir não é opção. Se os peixes já não são a alternativa mais viável, outros caminhos têm que ser encontrados para complementar a subsistência. Por isso, toda a comunidade tem apostado muito em hortas agroecológicas e na criação de galinhas, duas experiências de agroecologia que aos poucos estão se desenvolvendo nos quintais da Ilha São Vicente. Cebolinha, coentro, couve, alface, cenoura, pimenta, abóbora, pepino, cupuaçu, bananeira, maracujá, abacaxi, melancia. Tudo isso está sendo cultivado com muito carinho na terra das famílias quilombolas.
Como a horta ainda está dando seus primeiros passos, pouca coisa pôde ser colhida até agora. Mas já dá para perceber que está desenvolvendo bem. Eles fazem consórcio de plantas, para que uma possa ajudar a outra a crescer bem bonita. Além disso, a cobertura do solo está sendo feita com folhagens, o que ajuda a manter a terra mais úmida e diminui a quantidade de mato que cresce em volta da planta. Outro cuidado que ajuda muito a garantir alimentos saudáveis para o futuro é o fato de ninguém na Ilha usar veneno. Tudo é natural. Para adubo, por exemplo, é utilizado tronco de palmeira, que vai se decompondo e dando nutrientes para o solo, e esterco de gado e galinha também.
E por falar em galinhas, a criação de aproximadamente 50 galinhas também é uma garantia importante de subsistência para o presente da comunidade quilombola, que deseja desenvolver ainda mais a criação, para que seja possível também vender e aumentar a renda das famílias. Antes as galinhas eram criadas soltas, o que fazia com que fossem mais vulneráveis ao ataque de cobras e a doenças. Hoje, elas são criadas numa área cercada e recebem ração e milho quebrado, que faz com que cresçam mais fortes.
Assim como a resistência, os sonhos na Ilha São Vicente também são grandes. Todos querem muito que a horta e a criação de galinhas tragam bons resultados, para garantir a qualidade de vida e a segurança alimentar de todos não só na comunidade, mas também para todos aqueles que comprarem os produtos que eles pretendem vender. Além disso, os habitantes mais antigos gostariam muito que os jovens permanecessem junto com a comunidade e tivessem cada vez mais oportunidades de estudo. E uma coisa é certa: enquanto há sonho, há horizonte. E quem tem horizonte, não para. A comunidade quilombola da Ilha São Vicente vai chegar longe.
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